:: Carbono 14 ::
(Ou: Que idade eu tinha quando nasci?)
Atingida por meio milhão de raios cósmicos por dia eu ainda penso na
pergunta: que idade tinha quando nasci? Uma pergunta imbecil que num desses
momentos perdidos na memória ecoou como um mantra: plena de sentido e sem
sentido algum. Volta e meia ela me sopra a dúvida sobre essa pré-existência,
sobre tudo que tem de informação no meu sangue e que não consigo decifrar com a
mente agarrada às palavras. É certo que depois de tantas rajadas radioativas do sol sob esse corpo (que
me veste), um dia ele definhará. A linha reta do tempo talvez seja uma espiral
vertiginosa e os corpos morram com o objetivo de ceder átomos pra respiração de
outra vida, outra coisa. Deixaria, então, a carcaça pra futuros pesquisadores
debulharem teorias sobre a existência no passado. Com suas pinças e
conhecimentos de isótopos radioativos poderiam precisar a idade que eu tinha
quando morri. Certamente não definiriam a emoção que senti ao ver pela primeira
vez um cavalo. Ou que tive em vida uma predileção por folhas verdes escuras. Ou
ainda que idade tinha quando nasci. Mas eles saberiam quanto tempo passou por
mim. O engraçado disso tudo, também o mais misterioso é isso que nos atravessa e
que só nossas relações particulares com as escolhas e o tempo, com o all around
faz ferver: sentimentos atávicos - àqueles que me ligam biologicamente ao
alienígena mais antigo da galáxia, ao mamute, à primeira criatura unicelular.
Isso mesmo! Não é estranho se ver em um edifício da bolsa de valores sentindo-se
uma fera?! Por atavismo ou por algo maior que todos nós. Pela vibração desses
átomos todos juntos. Enfim, teria quando nasci a idade da Terra. A data
aproximada de tudo que borbulha nesse caldo. E isso nenhum cientista pode até
hoje prever, já que provar, experimentar, vivenciar essa sensação maluca que
nos liga... Isso todos provamos.
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