Transcrevo um conto de Italo Calvino, do livro Cidades Invisíveis, para que possamos nos perfurar dos emblemas poéticos em carne viva que inscreve e permite movimentos à cidade.
As Cidades e os olhos.(pag. 66)
É o humor de quem a olha que dá a forma à cidade de Zemrude. Quem passa assobiando, com o nariz empinado por causa do assobio, conhece-a de baixo para cima: parapeitos, cortinas de vento, esguichos. Quem caminha com o queixo no peito, com as unhas fincadas nas palmas das mãos, cravará os olhos à altura do chão, dos córregos, das fossas, das redes de pescas, da papelada. Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja mais verdadeiro do que o outro, porém ouve-se falar de Zemrude de cima sobretudo por parte de quem se recorda dela ao penetrar na Zemrude de baixo, percorrendo todos os dias as mesmas ruas e reencontrando de manhã o mau humor do dia anterior incrustado ao pé dos muros. Cedo ou tarde chega o dia em que abaixamos o olhar para os tubos dos beirais e não conseguimos mais distingui-los da calçada. O caso inverso não é impossível, mas é mais raro: por isso, continuamos a andar pelas ruas de Zemrude com os olhos que agora escavam até as adegas, os alicerces e os poços.
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