4 de jun. de 2009

:: Urbanóide de quem?

What's in a name? That which we call a rose
By any other name would smell as sweet.
Shakespeare, Romeo and Juliet

Era hoje ainda quando eu abri minha caixa de e-mail de trabalho e nela tinha uma mensagem do Frank Ejara, assim, pra mim? Era pra gente, pessoas da área da dança daqui de Mato Grosso do Sul. Porra, esse cara, eu conheço o trabalho dele de quando se apresentou na Mostra Contemporânea de Joinville, em 2006, Som do Movimento, aquilo me impressionou.

Mas o motivo do e-mail é dar aviso do seu incômodo com o espetáculo Urbanóides, da Cia Dançurbana daqui de Campo Grande. Ele coloca que tem um espetáculo de 2004 com mesmo título, e que “tem se apresentado em grande circuito bem como o Panorama SESI em 2004” e afirma que “o conceito, tematica e ambientaçao é o mesmo do espetaculo da Cia. Discipulos do Ritmo” e que por isso “percebe-se que a criação do grupo Dançurbana nao é uma criação original”. Junto, enviou: um link do youtube, o release do seu espetáculo e o histórico da sua Cia.

Li primeiro os arquivos para depois assistir o vídeo no youtube, que devia estar congestionado naquele momento e não carregava. Corri pra pegar o programa da 2ª Mostra Terena, que foi quando eu assisti o Urbanóides do Dançurbana. Algumas palavras batem, a temática é mesmo parecida e a ambientação proposta, se comparada não foge uma da outra.

Naquela hora eu lembrei de quando eu dançava na Ginga Cia de Dança, da gente tão contente com a recém-aprovação do projeto de espetáculo Vem Dançar Comigo e dias depois o balde d’água na Mostra de Corumbá com o espetáculo Vem Dançar, da Cia Cisne Negro; dois anos depois, o Ginga resolveu abrir espaço para os bailarinos que tinham projetos coreográficos e criou Um tema para quatro, enquanto no mesmo ano, Deborah Colker estreava 4 por4. Estes dois casos foram um espanto gozado pra todo mundo lá.

Por causa da minha profissão paralela-entrelaçada à dança, eu vivo tendo estes espantos. Eu sou designer e sempre acho que estou criando alguma coisa nova e sempre me dou mal quando acho que sou a única. Em 2006, criei com uma amiga na faculdade um jogo de dança. Em 2008, me reuni com um grupo de bailarinas pra gente dar vida a esse jogo e o transformamos num espetáculo, o Corpomancia. Foi neste mesmo ano que comecei a achar resultado no Google sobre um Jogo Coreográfico, desenvolvido por Lígia Tourinho. A definição deles é assim: “Jogo Coreográfico é uma proposta artística que reúne dança, improvisação e interatividade com base no ato de coreografar e ser coreografado”. E não é assim o Corpomancia? É assim, eu te digo.

A gente chegou aqui na velha questão da arte contemporânea, ao mesmo tempo em que o vídeo do Frank Ejara finalmente carregou no youtube: ainda é possível fazer algo original? Como previsto por mim mesma, por conhecer e acompanhar meu amigo e colega de pós-graduação em dança Marcos Matos, co-diretor do Dançurbana, a versão Frankejariana dos andróides urbanos era diferente da que meus olhos e todo o resto presenciaram no Teatro Prosa em 2008 – assim como Vem Dançar era diferente de Vem Dançar Comigo, 4 por 4 nada lembrava Um tema para quatro e menos o Jogo Coreográfico tem a ver com Corpomancia.

Aliás, veja bem, muito menos é original a conceituação de Frank Ejara para o seu Urbanóides: “Os grandes centros urbanos exercem um poder sobre as pessoas. Na busca de status e fortuna a alma fica em segundo plano. Vivendo como máquinas programadas para o trabalho, o homem segue sua jornada. Uma confusão de sentimentos põe o homem em questionamentos sobre a necessidade da existência da alma. Porém ela é mais forte e sobressai, tomando conta do corpo dando razão a vida”. Este texto serve perfeitamente como possível embasamento para criação do clássico Blade Runner, por exemplo, dirigido por Ridley Scott, que é um filme um ano mais velho que eu e 22 anos à frente do espetáculo de Frank Ejara!!

O nome, a conceituação, a temática e a ambientação são importantes e veja lá, fundamentais pra construção de um espetáculo, mas elas só existem realmente no vamo-vê. Quando a luz acende e você vê o cenário ou só ouve um som rolando e o cheiro daquilo tudo, isto é ambientação. A dança não ta só no papel, ta no pé, e no resto, com a cabeça junto. O release não devia ser só o primeiro passo? E se o nome igual e a proposta parecida foi um susto dos dois lados, quem cai primeiro, e pra que?

3 comentários:

  1. Eta mulher porreta essa Paula!!!
    É isso aí gente. Essas pessoas são da dança de Mato Grosso do Sul...Devemos apoiá-las. Vida longa ao Dançurbana!!!

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  2. Muito bom você ter aberto esta discussão por aqui, Paula!
    Realmente o fato de essa coincidência acontecer dentro do mundo da dança de rua brasileira, numa mesma linguagem, faz surgirem desconfianças maiores do que se fosse linguagens ou nacionalidades diferentes. Mas também o fato de criarem dentro de uma linguagem e estética parecidas faz com que temas, formas, questionamentos venham também, muitas vezes, reincidir, se transformar, como no caso da Ginga e da Deborah Colcker, ou também o "Superfície do homem" da Ginga e uma coreografia criada pelo Rodolfo Leoni, com mesma proposta de estímulo (uma mulher sendo conduzida pelo cabelo), que teve essa idéia a milhares e milhares de Km de distância na Alemanha.
    Esse evento tem seus lados bons porque enriquece esta discussão e porque também nos deixa atentos para o que devemos fazer para evitar mal-entendidos e até levantar questões como direitos autorais, etc.
    Eu acredito que isso não faz da dança que o Marquinhos cria com tanto suor e dedicação seja menos ou mais autêntica que a do Frankejara. Quem garante também que ele não tenha pego idéias de movimentos, figurino, cenário, etc, etc, de outras apresentações que ele já viu eu nem ainda tomou conhecimento?
    Apesar de distâncias geográficas, histórica-culturais, a gente vive essa mudialização mesmo. Discursos, angústias, questionamentos, prazeres, parecidos em vários lugares do mundo e todo tipo de linguagem artística dialoga entre si.
    A premissa "nada se cria, tudo se transforma" vale tanto para a física quanto para a criação artística, para a convivência cotidiana, para o jeito como significamos este mundo que por vezes achamos muito original. Será?

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