11 de jun. de 2014

Reflexões Sem Cerimônia

Na construção do projeto “Sem Cerimônia – ser cidade”, elaboramos intervenções de dança contemporânea relacionando o corpo com a cidade e seus monumentos para provocar um ruído na rotina urbana e questionar a fronteira entre movimentos cotidianos e dança. O projeto foi aprovado no edital nacional do Prêmio Funarte Artes na Rua 2011 e as intervenções aconteceram pela primeira vez no centro de Campo Grande como parte da programação da 7ª Aldeia SESC Terena de Arte e Cultura em 2012. Também integraram o programa da Bienal de Teatro de Campo Grande em 2012 e do Festival América do Sul, em Corumbá, em 2013.

A riqueza das experiências vivenciadas durante as primeiras execuções foi um dos principais incentivos para elaborarmos um projeto de circulação do Sem Cerimônia em outras cidades de Mato Grosso do Sul. O projeto “Sem Cerimônia: Circulação MS” foi aprovado pelo Prêmio Célio Adolfo de Incentivo à Dança 2013, da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e as cidades escolhidas para receberem as ações foram Aquidauana, Anastácio e Miranda. No começo desta semana percorremos estes municípios e fomos acolhidos por apoiadores cuidadosos e um público atento e participativo. Mas questionar fronteiras e fazer ruídos pode ser delicado. 





Em Miranda, alunos de uma escola acompanharam as intervenções, que terminaram com a Renata desenhando com giz branco uma linha reta no chão para brincar de equilíbrio. Depois de percorrer a trajetória da linha, ela escreveu no chão a frase “tudo que é sólido desmancha no ar”. Então as crianças também receberam giz branco e, como era de se esperar, começaram a interferir no cenário, uma praça no centro da cidade. As crianças escreveram e desenharam com giz nos bancos de cimento coloridos.  No dia seguinte, soubemos que a escola tinha recebido ordens agressivas do Secretário Municipal de Educação para limpar a praça mediante ameaças de processo por depredação ao patrimônio público.


Nós, artistas e produção, com panos e baldes, limpamos as inscrições em menos de cinco minutos. Giz apaga muito fácil. Já a acusação por depredação, embora não tenha sido formalizada e nem mesmo verbalizada diretamente aos corpomantes, não apagou fácil. A verdade é que voltamos para Campo Grande indignados com essa situação.


Vivemos em espaços e sintonias diferentes. Respeitamos a diversidade dos olhares. É possível que pequenos ruídos sejam interpretados como grandes explosões de acordo com a sensibilidade, experiência e discernimento do ouvinte. Tudo bem. Ainda assim, acreditamos que enxergar depredação na nossa performance e contestar a escola por conta disso foi muito impróprio e inconveniente. 

Nestes tempos de desespero e alerta, é bom lembrar que nem tudo é vandalismo. Depredar é estragar. Intervir é tomar parte, apropriar-se. Nesse sentido, temos clareza de que o que fizemos não foi um estrago e sim uma intervenção artística. Não poderíamos nos desculpar pelo mau jeito e a impertinência. É que uma das funções da dança contemporânea é provocar reflexões, questionar papéis, desafiar o que está posto. Essas certezas tão sólidas nas quais você se segura. E que desmancham no ar. 




Fotos da Jackeline Mourão. 




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