15 de out. de 2007

A dança e a globa(na)lização

Chegamos na era da Globa(na)lização! Corpos caoticamente organizados na mesmice convencional. Marionetes da ditadura consumista. Soldados da estética pausterizada. Como pensar a dança (e realizar a dança do pensar), em meio a plásticas compradas e órgãos artificiais? Elementos estranhos que se acoplam à matéria e por ela são absorvidos, seguindo a lei natural mercadológica. No período da dança acéfala, constituída de bundinhas de “tchutchucas” e cachorras, como formar um pensamento crítico sobre o corpo em movimento? Na superexposição da forma, enaltecendo o ego, compre a perfeição e leve de brinde um pacote de novas emoções.

Dança-arte ou dança-mercadoria? Na perspectiva sensível, da construção de sonhos, da
elaboração de esboços no ar, delineando rastros da escrita poética, entendemos o corpo criativo,
artéria que bombeia inspiração e atitude. No enfoque mercantilista, o consumo é felicidade. O corpo mecanicista, da tirania erótica. “Fique em forma dançando!” Modismos efêmeros que não se sustentam, não permanecem. Não são, apenas estão (e por pouquíssimo tempo).

Não sejamos demagogos! No Brasil, nossa referência, para quem vive da dança, ela é
produto, comércio. Aqui se encaixaria aquela célebre frase “arte e sonhos alimentam o espírito, mas não enchem barriga.” Portanto, como sobreviver profissionalmente neste contexto? Vendemos (ou pelo menos tentamos) aulas e espetáculos. Isso é fato. E às vezes parece que temos que nos sentir culpados por isso. Em um País no qual a área artística passa longe ou desapercebida nas escolas, paga-se R$10,00 nas famosas “junk” food, de lanchonetes do tipo “fast food” (atentem para as palavras globa(na)lizadas), mas não se paga R$5,00 para ir a um espetáculo de dança porque “não temos dinheiro”. O que não se tem é educação cultural! Ausência de hábitos. Percebam: o considerado lixo comestível tem mais valor do que a arte, em uma escala comparativa. E é por isso que somos convidados, sim, centenas de vezes para nos apresentarmos em festas, eventos, convenções, etc, sem remuneração! Ah! E não podemos nos esquecer de nos sentirmos lisonjeados, pois alguém lembrou de nós e nos proporcionou a entrada para o mundo “mágico” da divulgação do nosso trabalho! Será que permanecemos na retrógrada política do Pão e Circo?

Não devemos ter vergonha de colocar valor em nosso trabalho. E consideremos a palavra
valor aqui não apenas como mérito, mas também como significação monetária. Todas as profissões o fazem. Experimentem pedir a um pedreiro, uma manicure, um médico, um advogado, que trabalhem de graça. Acredito que terão uma certa dificuldade em encontrar. Mas se conseguirem, entrem em contato conosco! 08000000 (R$1,50 o min.) ou compre-compre-compre@já.com.br. Pode ser que estejamos enganados...

Receber pelo serviço prestado é direito e não favor. Isso sim deve ser divulgado! A
preocupação central de um artista, portanto, deve se concentrar no aspecto do produto a ser
comercializado e na sua qualidade. Na era em que o resgate individual e a busca de identidade
cultural se dissolvem e se escoam”interneticamente”, tecendo uma rede que torna público o privado, onde estará a dança-arte?

Estamos em meio a valores sociais que estabelecem o externo como possibilidade de
contentamento, onde tratamentos estéticos e cirúrgicos abrem caminho para o paraíso e, em casos excepcionais, ainda podemos contar com as maravilhosas correções proporcionadas pelas fotos digitais. No País onde uma emissora de televisão determina conceitos e costumes, indicando padrões de beleza como eixo primordial na formação do indivíduo, proporcionando a instauração do ócio, conivente e conformado com a utilização das mídias (ainda mais fortemente se associado ao uso do computador), onde se estabelece o papel da dança?

Entendemos a dança como a possibilidade de auto-conhecimento corporal, de compreensão
do sistema vital enquanto meio interno, apreciação da matéria visceral, veículo de sabedoria e
sensibilidade. Passível de erros e acertos, como todas as práticas humanas, porém coerente no que se refere ao respeito com a individualidade e a sistemática inerente a este aspecto. Propomos que a dança seja diversão, entretenimento e alegria. Mas não só isso. Trabalhamos para que ela seja em igual ou maior proporção consciente, reflexiva, educativa e que seja reconhecida como gênero de primeira necessidade, que é. Mas para isso, é preciso formar uma corrente de corpos críticos, pensantes, que se unam na perspectiva de correr contra a corrente do imediatismo, gerando pequenas sementes de pesquisa e aprendizado, para florescerem em um futuro próximo. É necessário usar a troca de informações proporcionada pela globalização e suas tecnologias digitais não para a montagem virtual de auto-imagens idealizadas, mas para o aprimoramento de nossa cultura geral e fortalecimento de nossa cultura local, valorizando as diferenças de raça, etnia, hábitos, costumes. E deixamos aqui (talvez de maneira utópica), um desafio a todos nós, artistas e apreciadores da arte: que sejamos edificadores de um elo de comunhão entre os povos, instigando a substituição de corpos banalizados e massificados pelo movimento de corpos inteligentes, criativos e singulares, mas não egocêntricos, capazes de construir a coletividade pacífica, sem perder a individualidade.


Ana Carolina Mundim
Graduada em Dança pela UNICAMP, Mestre em Artes pela UNICAMP, Doutoranda em Artes pela mesma Instituição, integrante do GPDT República Cênica, coordenadora do PADES (Projeto Artístico para o Desenvolvimento Social), Professora externa da PUC-Campinas - (mundim@iar.unicamp.br) Publicado parcialmente no jornal “Ô Sujeito!”, Ano 1, n.4, fevereiro 2005 (Edição e Produção: Elinaldo Meira, Jornalista Responsável.: Caio Albuquerque - Mtb. 30356).

Nenhum comentário:

Postar um comentário